23 de dezembro de 2006

Aquele famoso texto sobre o final do ano

Eu parei para dar uma olhada em textos de final de ano no meu espaço antigo. Meus dezembros não costumam ser lá aquelas coisas, sempre tem alguma coisa azeda que desponta em dezembro. E tem sempre aquela reflexão a respeito do ano inteiro, no melhor estilo "retrospectiva". Ai é aquele choro das coisas boas e das coisas tristes, seguida pela perspectiva de um ano que vem melhor.

2006 para mim foi um ano estranho. Bastante, diga-se de passagem. Eu falo aos meus amigos que 2006 foi uma b., mas convenhamos, não foi tão mal assim. E digo isso, não pelo punhado de coisas más que aconteceram esse ano, as desavenças e problemas mais sérios (na família, principalmente), mas eis que estou aqui vivo e escrevendo. E não estou abalado não. Foi um ano sobretudo de mudanças e aprendizado, coisas que tornam a gente melhor e mais humano.

E não foi só comigo, foram meus amigos, colegas e inimigos: mudou tudo para todos. Alguns entram ano que vem de bem com eles mesmos, outros amargam e rezam por um ano novo que traga um pouco de paz e felicidade. Quem nesse mundo não quer ser feliz? E por falar em mundo, o mundo é quem sofreu com mais um ano de existência. Tanta coisa passada: guerra, gente boa que morreu, aquecimento global (e todo o seu ramo de problemas que dão uma crônica por si só). Percebo que o mundo está mudando e a visão que eu tenho dele. Fico imaginando se daqui há uns dez anos, por exemplo, será possível colocar um filho no mundo. Ainda mais no Brasil, onde os preços aumentam (façam as contas do começo e do final do ano) e o salário é a mesma coisa, a mesma promessa.

Misticamente não sabemos o que esperar de 2007. O futuro sempre dá aquele medo, que é o medo daquilo que você não sabe o que há por vir. Eu lembro que no dia 1 de janeiro de um ano que nem sei mais, eu acordei muito cedo e vi pombinhas na frente da casa da minha avó. Tirando de memória as lembranças do passado, saquei um punhado de arroz e taquei aos bichinhos. Eu não lembro se isso me deu um ano melhor, mas acredito que deu sorte na vida e umas linhas para crônicas. Da minha parte, só espero que em 2007 o mundo se torne melhor e que eu seja um melhor escritor em relação aos anos passados. Eu e o mundo agradecemos.

16 de dezembro de 2006

Eu gosto!

É, eu quase esqueci de um detalhe técnico a respeito dos meus conhecidos leitores: eles não gostam/entendem de poesia. Ou ainda eu fui tão aleatório na minha escrita que eles se assustaram e nem quiseram comentar o que eu escrevi. Mas faz parte, melhor do que receber um singelo "é, é bonitinho", fazendo alusão ao meu primeiro texto nesse espaço.

Mas demos uma guinada no assunto e tomemos o caminho do assunto da crônica de hoje: gostos. Paro para pensar por uns dez minutos e já consigo listar uma infinidade de coisas que eu gosto e formam a existência do ser que escreve aqui. Digo isso porque podemos descrever uma pessoa fisicamente, mas o que complementa o ser de uma pessoa é o conjunto de idéias que ela possue e, finalmente, o que ela gosta e desgosta. Ai veio a pergunta "então, quem é João, pelos seus gostos?". Eis aqui uma breve tentativa de enumerar gostos pelos quais eu gostaria de ser lembrado:

Antes de mais nada, café. Não que seja a substância mais fundamental para mim, mas é a que inspirou essa crônica. O café é o melhor amigo do atrasado, pois quem precisa passar noites em claro, precisa beber café. A longo prazo, a ingestão excessiva de café deve fazer uns males horríveis, mas é a melhor solução imediatista para o pseudo-ganho de tempo. Fora o fato de que quando quer se curtir ou dar uma ajuda ao estômago que digere um farto almoço, um café vem como uma luva para uma mão para os adoradores da cultura paulista.

Escrever é outra tara e necessidade fisiológica que eu tenho. Não é blasfemar na frente do computador, é reunir um conjunto de idéias e falar "vou fazer arte com isso aqui". Mostrar idéias e propor novas estéticas, discussões é como um todo meu objetivo, principalmente nessa era monossilábica da comunicação humana. Escrevo para não me massificar e de quebra mostrar um pouco do que sou feito. Enfim, isso por si só já é outra crônica.

Outra coisa que apenas os que viram minha manifestação física sabem: adereços para cabeça. Vai muito de acordo com a minha personalidade no momento, mas não dispenso a minha conhecida boina. Desde 2001 com ela na cabeça, só troquei ela em raras vezes por uma bandana (que embora eu goste, meu cabelo não tem a mesma opinião) e um desejado chapéu panamá (o qual comprarei algum dia que tiver uma roupa daqueles sambistas de épocas ancestrais). Já pensei em algumas vezes por algum piercing, brinco, ou coisa que o valha, mas essa idéia é regularmente frustrada.

Dar uma boa risada é coisa que eu não dispenso também. Fazer os outros rirem também. Até comento que na verdade sou um comediante frustrado, assim como muitas outras profissões que deixei de ser desde que me embrenhei no mundo da computação. Mais do que rir, fazer dar risada é algo maravilhoso, principalmente para aquele seu colega jururu de mal com a vida. Fora que não há melhor cartão de visita do que uma piada inteligente, que te põe pau-a-pau com a pessoa apresentada e dá um aspecto de intimidade com a maioria das pessoas.

Para concluir: arte. Discutir a importância da arte para mim é algo muito complicado, porque tudo que eu citei anteriormente nesse texto tem ligação íntima e direta com a arte. Arte é o subjetivo, arte é o inexplicável, arte é algo que nos dá o título de seres humanos, é onde a nossa capacidade de raciocínio é colocada a prova. A arte é uma coisa muito mínima que está presente em cada canto da vida e merece ser contemplada, como se fosse uma metáfora para a vida. E de todas as artes, poucas são aquelas que se comparem com a arte do gostar, porque é preciso muita sensibilidade com o mundo para poder eleger aquilo que forma a obra-prima do mundo: o ser humano.

11 de dezembro de 2006

Poética perturbada

A minha relação com a poesia é um negócio que não se acerta nunca: um dia morro de desejos, outro dia nem quero saber do que ela é. Hoje vivo mais ou menos nesse hiato entre a necessidade de versejar e um senso estético distante da minha própria poesia, que culmina em uma decomposição própria da busca por um novo eu, uma nova poética. Quando escrevi esse poema, senti-me o próprio Picasso, não pela genialidade do pintor mas pela decomposição e remontagem, pelos múltiplos pontos de vista que buscam responder uma pergunta fundamental da existência da obra e do artista. Culminou nisso, uma poesia muito estranha, que pende para o surreal (nunca abandonarei essa corrente, já é meu sangue!) e uma talvez perturbação de poetas como Augusto dos Anjos, Ferreira Gullar e uma dose praticamente invisível de Haroldo de Campos. Aliás, se me virem escrevendo poemas concretos acreditem que não será coincidência alguma.

Gênese

Despido de meus pecados e desejos
Encontro-me fundamental
No meu estado de instância de homem.
À mesa, a incorpórea metáfora distribue cartas.
Não sei o nome do jogo, mas suo
Como se estivesse apostando minha vida
Na falta de roupas, adereços e memórias.
A mesa carrega uma renda de épocas passadas
E me faz perder a atenção do que tenho na mão
Para me enveredar por entre as fibras
Compostas por mãos de mulheres
Nas agulhas imensas de tricô.
De repente sangue, mais sangue sobre a mesa
E o esfingético croupier repousa
A cabeça numa aura de sangue ralo,
Nem parece sangue de verdade.
Levanto da mesa e procuro um pano
Onde eu possa limpar a matéria inorgânica
E seguir meu jogo, compenetrado em tudo
Menos nas cartas que levava na mão.
Sobre o móvel de canto de sala, um relógio
Dá a batida para a música invisível das horas.
Tic-tac, tic-tac, tic-tac...
Deixa-me nervoso e desejo destruí-lo,
Moe-lo em pedaços sobre o chão de tacos
E ver suas molas se contorcerem de dor sobre o tapete.
Entra pela porta da sala Eunice,
Com seus cabelos presos e boca banhada em gloss
Pedindo um beijo.
Um beijo, um beijo de Eunice.
O beijo desejado, o beijo transcedental, o beijo nu.
Uma súbita indisposição estomacal insurge,
Vomito nos cabelos lisos de Eunice,
Nos lábios de desejo de Eunice.
De maneira tão sublime o rosto e o corpo de Eunice
Agora banhados pela matéria retorcida
De minhas tripas que formam arcos,
Círculos e outras formas geométricas.
Eu vomitei em Eunice.
Ela dispara pela porta com asco,
Como não haveria de ser diferente,
E grita desesperada a destruição de sua beleza.
No tapete forma-se uma piscina funda de ácidos gástricos
E formas geométricas que convidam a um banho.
Salto, em busca da liberdade
Sobre o nojo de mim mesmo
E repouso sobre um triângulo que bóia.
Surge gigante o meu morto sobre o tapete,
Sangrando seus litros pela cara sem rosto
Com as cartas a mão, prontas para uma nova rodada do jogo.
O relógio cai do móvel, e suas peças vêm se juntar
A decomposição do meu corpo sobre o tapete.
As molas rangem,
Engrenagens se remontam sobre a superfície ácida
Para montar um novo relógio sem ponteiros.
Eunice reaparece pela porta aos berros
Aponta para mim e me delata:
Diz que estraguei sua beleza,
Que estraguei seus lábios.
Derrama sobre a minha poça seu vidrinho de cosmético
E uma embalagem de shampoo
Que se juntam a dinâmica do mundo novo.
O ser da palidez borrada pelo seu próprio sangue
Joga sobre a pocilga de misturas o manto da mesa,
O manto entrelaçado por agulhas
Famintas de rendas, de trabalho final.
"Este é seu céu",
Últimas palavras antes do silêncio primordial.
Eu apenas bóio entre os elementos de minha nova composição,
Meu novo mundo, meu novo eu.

3 de dezembro de 2006

Não mais Iugoslávia

Foi numa madrugada que eu descobri quase sem querer que estava acontecendo a disputa do campeonato mundial de volei. O Brasil, desde que eu assisto a seleção dirigida pelo Bernardinho, nunca deu um vexame em um campeonato como esses (inclusive desde que o Bernardinho assumiu o Brasil nunca ficou longe do pódio, estatísticas da mídia que acompanha mais o volei do que eu). Mas a verdade é que ao contra?io da seleção brasileira de futebol, ver os meninos do volei é outra coisa. Dá gosto de ver um time jogando com garra, com velocidade, sem dar chance aos adversários. Percebe-se um sentimento de brasilidade em quadra, mesmo de um país que valoriza tão pouco o esporte que já rendeu várias medalhas olímpicas. E viva o Brasil campeão, fica aqui minha homenagem a essa valoroza equipe.

Mas a pauta não é necessariamente o volei, embora tenha começado do comentário sobre a futura ex-seleção de Sérvia e Montenegro, que à partir do ano que vem se tornará dois países distintos. E a coisa corre muito mais além, quem já pegou um livro de geografia já deve ter visto uma imensa porção de área báltica que já carregou sozinha o nome de Iugoslávia. Quem viveu e lembra (não faz muito tempo para os que nasceram na mesma época que eu) sabe quantos conflitos aquela região viveu. Alguns não são da minha época, mas é interessante pensar quanto tempo aquela região tomou para se moldar no que será ano que vem um amontoado de países distintos.

Talvez a minha lembrança mais forte seja a da guerra de Kosovo. Todos os jornais noticiavam sobre mais um pedaço da já fragilizada Iugoslávia que desejava independência. Milhares de mortes notíciadas num jornal não davam a menor perspectiva do que era aquilo que acontecia. Eu mesmo não entendia bem o que era aquilo, o que era a Guerra. Lembro que tive de fazer alguns trabalhos para a escola a respeito de Kosovo, meu professor era bastante preocupado em nos manter atualizados sobre o que acontecia no mundo, principalmente no que dizia respeito a sua disciplina.

Depois de algum tempo passamos a viver nesse período de guerras e intolerância. Isso me ajudou a dar uma perspectiva para entender o que foram mais de um milhão de civis mortos, intolerância étnica e Slobodan Milosevic. Um filme do Godard que eu assisti no meio do percurso me ajudou a entender o que é viver hoje nas ruínas de uma guerra, onde metade do país é uma parte que persiste viva e a outra metade foi bombas, tanques, soldados e guerra.

Ante toda essa situação caótica e surreal, eu sofro a minha parte quando ouço falar sobre a futura ex-Sérvia e Montenegro, no seu âmago a parte restante da Iugoslávia. Talvez seja melhor assim para sérvios e montenegrinos, mas me incomoda perceber como tudo deu tão errado para um país que não encontrou outro meio senão o da guerra para se tornar as várias partes que hoje é. E ainda há gente no Brasil que pensa em separar o Sudeste das outras regiões, por afirmar que o pólo produtivo nacional se concentra (e depende exclusivamente) daqui. Façam-me o favor.