30 de janeiro de 2007

A tragédia é universal

Acredito ser péssimo crítico de arte, principalmente em matéria de cinema. Sou um cara muito chato para filmes: gosto de filmes que me façam sair do cinema com dor de cabeça e que tenham me guiado ao longo de seu enredo por todo o tipo de sensação e sentimento possível. É raro que as duas coisas aconteçam ao mesmo tempo, mas ontem isso aconteceu: fui assistir Babel.

Não minto que tive algumas motivações para querer ver esse filme. Primeiramente me guiei pelo falho instinto do "indicações a prêmios famosos", o que quase sempre me engana soberbamente. Depois percebi o casting do filme, Brad Pitt, Cate Blanchett, Gael Garcia Bernal e a direção de Alejandro Gonzáles Iñárritu, cujo trabalho até hoje me passou levemente despercebido senão por algumas cenas perdidas de "21 gramas". Tudo soava bastante tentador, até o momento que fui procurar saber um pouco sobre o enredo do filme. O fato de serem várias histórias paralelas em lugares diferentes do globo que de alguma maneira se conectavam sôou de maneira sedutora e não pude resistir mais.

E o filme superou minhas expectativas. Não vou dar detalhes da história, mas posso dizer que a maneira como o filme é costurado dá todo o charme à película. O gênero de histórias paralelas que se unem para dar liga a uma história maior já foi bastante explorada por outros diretores, mas Babel não faz um elo direto entre as histórias e o que liga cada trecho é algo bem sutil. É possível inferir diversas coisas do filme, ainda mais pelo grau de realidade que cada história em cada país é retratada e a diferença e o choque de cultura expostos. A trilha sonora de responsabilidade Gustavo Santaolalla, mesmo compositor da trilha de Diários de Motocicleta, auxília a dar toda uma atmosfera ao filme, independente do país no qual a cena se passa.

Babel, enfim, é um filme comovente e consegue mostrar a quem assiste a triste realidade do mundo hoje. Não apenas do México, Marrocos e Japão, mas das pessoas que vivem nesse mundo caótico de diferenças e intolerância. A linha que une a base do filme pode ser meio fraca e talvez forçada em alguns pontos e talvez a não-linearidade dos fatos renda alguma dor de cabeça aos menos cientes da temática do filme, mas as histórias separadas representam perfeitamente que a dor existe em qualquer lugar do mundo sob diferentes formas. Afinal, somos seres humanos.

15 de janeiro de 2007

Palavra que faz chorar

São Paulo, 15 de janeiro de 2007

Querida,

Recebi sua carta e sua foto. Como sempre, você está deslumbrante, não tenho muito o que falar, porque na carta anterior (que eu não enviei) já havia te dito tudo que eu acho de você. Vi sua foto mais atual e de bate-pronto lembrei de quando te conheci, ano passado. Primeiro não dei bola, depois passei a te olhar, depois era tarde demais. Eu lembro que teve uma semana que perdi minha saúde só de pensar em você, sucederam-se febres, gripes, dores na garganta, depressão e dores de fazer qualquer cardiologista morrer de dó.

Eu nem recebi a notícia da sua partida. Quando fui me dar conta, você já estava lá do outro lado do mundo. Se fosse uma viagem de férias, ou mesmo a trabalho, talvez eu não ficasse tão mal. Mas você vai ficar por aí. Abandonar tudo, começar de novo e me deixar aqui, estático e de coração na mão. Fingi por uns dias que nem ligava para isso, mas eis que hoje me deparei com você, com sua foto, com sua carta. Você me botou mal que foi o diabo. Lembrei, da sua foto, que nós nunca conversamos direito, nós nunca tiramos fotos juntos, lado a lado. Ficou um vazio aqui. Quase editei algumas fotos nossas para botar nós dois juntos, mas não ia fazer sentido, nós nunca estivémos juntos.

As coisas por aqui estão indo, estão passando. Brasil, São Paulo e São Paulo novamente gozam de uma grande apatia do pós ano novo. Voltamos ao trabalho e tudo ficou chato. Esquecemos nossas promessas de ano novo (a cueca verde-esperança foi lavada e encostada na gaveta), não sobrou peru ou Chester e as lojas estão abarrotadas de promoções de panetones. Tudo ficou irremediavelmente chato sem a sua presença nessa posição geográfica do globo.

Sei que talvez nunca mais voltemos a nos falar. A novidade torna o antigo desinteressante, mas tente não me esquecer. Aguardo outra carta sua, outra foto sua. Prometo que mando de volta a resposta, uma foto minha e um vidrinho com lágrimas.

Beijos.

7 de janeiro de 2007

Retrato I

"Bateu à porta três vezes, enquanto se protegia da chuva forte que mantinha em suas casas a maior parte dos cidadãos. Eram onze, onze e meia da noite, não dava para se ter noção. Protegido por uma capa de chuva barata, o homem antes de tocar a porta novamente foi interceptado pelo morador do pequeno quarto nos fundos da casa no bairro classe média-baixa. 'É você? entra' disse após se dar conta da visita esperada. Fechada a porta, o visitante já retirava a capa que não o salvou de todo da tempestade. O inquilino retirava uma garrafa de uísque da geladeira e a forma com alguns cubos de gelo faltando enquanto propunha ao cavalheiro que se sentasse à mesa. O diálogo teve início assim que o homem percebeu o cinzeiro cheio de cinzas enquanto o amigo servia a bebida:

- Fumado demais, não? Ainda vai te fazer uma mal desgraçado isso.
- Fumo porque sei que o que vai me matar não é o cigarro.
- O fígado?
- Talvez, antes fosse.

Um gole no copo gelado traz um quentume na garganta do visitante.

- Vim para falar sobre umas questões do partido. Acredito que você saiba algumas coisas.
- Só sei que o governo está atrás de nós. Saí de casa assim que o primeiro dos nossos foi preso, não tive tempo para acompanhar as notícias desde então.
- Foi difícil de te achar.
- Eu sou perspicaz meu caro: me livrei de uma ditadura com um capeta bem pior no governo. Não é nessa que vão me pegar.
- Você talvez não, mas já somam as dezenas de homens nossos que andam sumindo nas ruas da cidade.
- Esses caras são fodas, acham que pegar qualquer zé ruela vai dar alguma resposta. Os grandes como eu fogem rápido. Deve ter companheiro nosso na Europa a essa altura.
- Talvez... Escuta, invadiram nossa sede...
- Tinha alguém lá?
- Alguns membros. Levaram documentos, cofres e até a nossa secretária para um interrogatório. O que havia de mais importante já fora retirado.
- Menos mal. Mas conta, tu não vieste aqui apenas para falar que estamos num mato sem cachorro ou que nossa sede foi invadida.

Outro gole na bebida, dessa vez seco, quase direto.

- Eles pegaram sua mulher, doutor...
- Ela não estava em São Paulo.
- A polícia especial descobriu de alguma maneira. Querem usá-la para que o senhor se entregue. Dizem as línguas que se o senhor não se entregar em 48 horas, vão começar a aprontar com a mulher.
- Que absurdo... Esses caras não tem o menor pudor. Veja a merda em que se país se encontra: até surrar mulher para abafar uma minoria na causa política. Que voz nós tivemos no congresso, na câmara, mesmo na imprensa? Nenhuma. Agora, para pegar um velhote de 50 e poucos anos, que a polícia incopetentemente não consegue pegar, vale tudo. Pro inferno com essa ditadura.

O homem pôs-se novamente a fumar: acendeu um cigarro encostado no cinzeiro e o segurava entre os dedos, enquanto se punha pensar de frente para a geladeira. Após três pitadas seguidas de baforadas contra uma janela entreaberta, enunciou:

- Um dia meu caro, esse país será livre. Haverá espaço e voz política para todas as pessoas e todos os partidos. Não haverá mais censura e essas mentiras que nós lemos no jornal. O povo tomará gosto por defender seus direitos e se insurgirá contra os tiranos e generais. Vejo o povo brasileiro entoando o nosso hino nacional, o orgulho de ser brasileiro. Eu enxergo longe, meu filho, eu vejo a abertura política. Se não enxergasse, não teria lutado até hoje, não teria fugido até hoje.
- Eu acredito que sim, doutor, mas o dia em que houver tudo isso, nós seremos esquecidos.
- É...

Nesse momento, bate à porta um terceiro.

- Deve ser a mulher da casa em frente. É minha amiga, a essa hora me traz um pouco da janta e o jornal do dia.

O rapaz ainda pingando abre a porta. Para sua surpresa, não aparece uma mulher e sim vários homens fardados, indiferentes à chuva.

- Mãos à cabeça, vocês estão presos."

4 de janeiro de 2007

Arte on demand, poesia contra a morte e outros temas

Foi lendo a antologia dos primeiros anos d'O PASQUIM que eu li uma entrevista com Paulo Mendes Campos sobre o papel e a valorização da arte (isso já nos anos 70). Ele declarava que era difícil viver de adaptações e tudo o mais, pois era necessário muito mais trabalho para conseguir ganhar o mínimo necessário para ele sobreviver. Antes isso fosse algo isolado, mas eu percebi de muitas leituras minhas que a maioria dos escritores realmente precisam dar muito duro para conseguir reconhecimento e dinheiro. E dinheiro passa longe de significar luxo, estou falando de subsistência. Claro, os caras provavelmente estavam tirando uma casca do governo, onde na mesma entrevista comentava-se que o Brasil era um dos poucos países onde a arte era um bem desprezado e pouco valorizado (bem típico de militares, diga-se de passagem), mas no contexto dos dias de hoje, é muito diferente?

Penso: suponha que algum dia eu venha a escrever profissionalmente e de repente me depare com essa onda de desvalorização da arte. Paro alguns instantes e tento imaginar, minha imagem é meio que de desespero com tristeza. Acho tão triste, e em parte compreensível, que hoje não se tenha uma necessidade por arte. Lembro quando, numa das minha idas ao Itaú Cultural, vi uma família inteira que foi ver a mesma exposição que eu. Perguntei-me quantas famílias daquelas deveriam fazer isso. Talvez o principal bloqueio em relação a arte seja a associação com algo que apenas poucas pessoas possam entender ou fazer, meio que uma elitização do termo. Imaginem então alguém que tente viver exclusivamente de arte, como aqueles artesãos que vendem quadros em azulejos no centro de São Paulo e na avenida Paulista.

O mais engraçado é que eu nunca consigo chegar a uma conclusão quando o tema é arte. Aparecem tantos ramos que dependem do assunto e desencadeiam novas discussões que bota qualquer um perdido. Para mim, no final das contas, arte é uma diversão, seja criar como assistir. Lembro daquelas aulas de arte que tínhamos no primário: fizemos até reuniões na casa de colegas para fazer algo legal. Era muito divertido. Acho que estou ficando velho.

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Comprei um livro do Drummond novo (para a coleção) já faz um tempo: "A Paixão Medida". Eu quis comprar os livros do homem em ordem cronológica de publicação, mas como as prateleiras de poesia em livrarias não são as mais fartas, acabei pegando esse livro mesmo, já que mais hora menos hora ele ia figurar na minha prateleira. Fui ver que foi um dos últimos livros dele. Li aquela introdução histórica do papel no livro na bibliografia do autor e percebi que era uma fase de total maturidade do poeta, algo como a necessidade de escrever para lutar contra a morte.

Fiquei muito perplexo com isso. Eu como jovem que sou talvez não entenda muito disso. Mas tento conceber como é imaginar que dentro de alguns anos morrerei e preciso verbalizar tudo que eu puder, antes que eu morra, para os que ficam entenderem o que é realmente a vida, passados todos os anos como ser humano e como autor. Resultado: encostei provisoriamente o livro, se o ler, não entenderei.

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Novamente o "padrinho" desse blog se faz presente. Certo dia indaguei sobre o primeiro capítulo do livro que ele estava escrevendo e que pedi na mais pura curiosidade do gênero "qual o estilo desse cara". O resultado é que ele me explicou o que se passava para acontecer tal atraso e de quebra me disse de onde veio a inspiração para o livro. Era um conto que, por não caber em si mesmo, acabou desabrochando em um pedaço de uma história maior e no final acabou virando um capítulo de um livro. Essa história é velha de guerra para quem já experimentou escrever alguma vez, mas algo me fez pensar: esse tempo todo eu nunca arrisquei uma narrativa um pouco mais longa, mais elaborada. Será que eu consigo?