28 de abril de 2007

Clichê

Se eu pudesse juntar toda a minha inveja de modo a condensá-la em moeda de troca para algo que minha inveja jamais seria capaz de alcançar com seus magros dedos, com certeza seria a composição dessa música:

Chega de saudade
Vinicius de Moraes / Antonio Carlos Jobim

Vai, minha tristeza
E diz a ela que sem ela não pode ser
Diz-lhe numa prece
Que ela regresse
Porque eu não posso mais sofrer

Chega de saudade
A realidade é que sem ela
Não há paz, não há beleza
É só tristeza e a melancolia
Que não sai de mim
Não sai de mim
Não sai

Mas se ela voltar
Se ela voltar
Que coisa linda
Que coisa louca

Pois há menos peixinhos a nadar no mar
Do que os beijinhos que eu darei na sua boca
Dentro dos meus braços os abraços
Hão de ser milhões de abraços
Apertado assim, colado assim, calado assim,
Abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim
Que é pra acabar com esse negócio
De você viver sem mim
Não quero mais esse negócio
De você longe de mim...
Vamos deixar desse negócio
De você viver sem mim...

20 de abril de 2007

Manifestante

Vai o manifestante
Fazer exame de corpo de delito
Na polícia
Após ser agredido
Pelo policial?

12 de abril de 2007

Voluntário

(inserir citação aqui)

Profira em voz alta as palavras "trabalho voluntário" e concentre-se nelas até o final do texto.

Quando fui convidado para participar da Abeuni pensei na possibilidade de fazer algo que a muito tempo eu cultivava dentro de mim. Já tive claras manifestações desse sentimento inominável que move o coração de quem dedica parte da sua vida em prol do outro através de outras ações que ao longo da minha vida eu tomei parte. A coisa toda do trabalho era nebulosa: mal sabia exatamente o papel que eu ia exercer. Tinha uma noção muito distante do que era de fato o trabalho voluntário.

E passaram quatro dias. Sono, cansaço, fome às vezes e uma sensação diferente. Foi uma das primeiras manifestações sinceras de coletivo que eu presenciei em toda a minha vida, com pessoas que não se furtavam do trabalho para que o todo fosse realizado. Não sei explicar muito bem com palavras o que foi presenciar a pobreza, não apenas de recursos financeiros, mas sim uma carência de informação e atenção. A parte segregada pelos governos e mesmo pela sociedade necessita de atenção, qualquer dez minutos de conversa fiada ou duas horas para se ouvir os problemas da vida. Precisa de um abraço, qualquer coisa que os faça esquecer por uma fração de dia que a vida não tem tanto colorido quanto os lápises de cor e desenhos pendurados na parede. Precisa saber o que nós sabemos e esquecemos por não achar importante, esse tanto escondido nas desdenhosas aulas de biologia, geografia, história.

As brincadeiras nos fazem lembrar do papel que exercemos, essa minúscula parte que faz toda a diferença no resultado final. Brincamos para espantar o sono, lembrar que sorrir é fundamental, principalmente para quem a maior parte do tempo não tem motivos para sorrir. Cantamos a tradição de gerações passadas para lembrar que tudo isso só existe por conta da iniciativa dos que vieram antes de nós. Agradecemos, todos. Choramos (alguns só depois, quando chegaram em casa) a tristeza de quem talvez chore todos os dias e a inevitável despedida de quem já teve seu papel cumprido, cada qual em seu posto.

Ficou na boca esse gosto, esse vício, a vontade de gritar tudo de novo. Os olhos repassam imagens e vídeos de impressões e lembranças. A indignação ganha novo sentido, a justiça (a falta dela) ganha uma personificação esquelética e mórbida, real. Eu, criança insistente em mudar o mundo, percebi que mais que consciência política é muito pouco perto desse muito feito em pouco tempo. Os livros de tratados políticos e teorias tornam-se enfadonhos e descartáveis. Sobram os olhares famintos por mudança recheando morros, casas e favelas.

Diga "trabalho voluntário" novamente e tente sentir algo. Com palavras fica difícil, mas um resíduo de sentimento se depositou nesse texto e eu espero que você o leve para casa e durma com ele para ter um novo motivo para chorar.