2 de maio de 2007

Plágio

Era numa livraria localizada em um bairro luxuoso de São Paulo que o mais recente livro de um emergente escritor estava sendo lançado, com direito a champagne, convidados engravatados e sessão de autógrafos. A crítica, que teve acesso a alguns volumes da mais recente publicação, encheram páginas e mais páginas de elogios e adjetivos extravagantes para descrever a nova obra e fizeram comparações desmedidas sobre a primazia de seu estilo com vários autores renomados da literatura brasileira.

Com toda pompa possível, no clímax da festa quando todos estavam com as barrigas fartas de canapés e as conversas giravam em torno de seus próprios rabos, o novíssimo escritor (não passava dos 30 anos e essa já era sua segunda obra publicada) pediu a licença de todos os presentes para desfiar no ouvido de todos um discurso previamente preparado. O cujo do discurso desenterrou as mais mofadas palavras do dicionário e chavões do século passado e do anterior a este para agradecer a presença de todos, às criticas dos críticos, à editora pelo destemido ato de apostar num escritor tão jovem e inexperiente (conforme a sua modéstia) e aos diversos familiares e amigos que sempre o apoiaram, inclusive nos momentos de dificuldade. A palavra se fez vencedora, segundo ele próprio, frase a qual fechou o discurso com aplausos da distinta burguesia paulistana.

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A mais completa falta do que fazer me leva vez ou outra a ir a uma livraria. Não sem motivo: vou namorar os mesmos livros que, por falta de dinheiro, não posso ainda comprar. Faço sombra na e tiro o pó da estante (note o singular) de livros de poesia. Mas isso nunca me furtou em ver os livros pop, aqueles que tem tiragens a perder de vista, de autores comerciais que podem não primar pelo seu estilo, mas sabem agradar à maioria da população. Passo os olhos em títulos curiosos, em obras primas de trabalho gráfico (afinal, a capa também é parte do livro) e finalmente nos imponentes best-sellers, ou ainda, "o que os leitores dessa livraria estão lendo". Por um gesto um tanto inexplicável, tomei em minhas mãos o livro daquele recentemente consagrado escritor brasileiro. Talvez o fato dele estar na mesma faixa etária que eu tenha me dado um encanto especial e uma vã esperança de algum dia estar no mesmo patamar.

Tamanha surpresa me acometeu o fato de perceber que lá estava, com título e tudo, um conto escrito por mim. Não era o único, mas não eram todos também. Ainda assim, minha revolta cegou meus olhos de raiva por ver, bem na minha frente, meu sonho realizado sob o nome de outra pessoa. Minha possessão me fez atirar o livro com tudo no chão e sair batendo o pé da livraria, que afinal não tinha culpa nenhuma. Liguei para a editora buscando informações. "Alô? Alô eu sou um escritor amador e gostaria de dizer que tive textos meus plagiados por um autor que publicou um livro aí nessa editora. Ah, só um minutinho (música automática de telemarketing)". Desisti no décimo-quinto minuto de espera mas não desisti de fazer justiça. Fui pessoalmente até a editora, mais de uma vez, buscando informações. Entrei em contato com a acessoria do plagiador mas não obtive retorno. Sem dúvidas e sem mais possibilidades, entrei com um advogado para requerer a autoria dos meus textos. A autoria dos meus textos. A possessividade que eu possuo por eles me deixa doente, a possibilidade de alguém se consagrar às custas deles me deixa pior.

Uma noite, após a minha massante rotina, recebo um telefonema. "Alô? É você quem está me processando por plágio, certo? É você então? Sim, sou eu. Sei que o processo que você abriu não vai dar em nada e por isso mesmo resolvi ter uma conversa contigo. Mas você sabe que estou certo? Aqueles textos são meus! Eu os publiquei em meu blog, eu os escrevi! Calma lá, você os escreveu num blog, mas não há nenhum documento que garanta a autenticidade de seus textos. E você acha que vai conseguir? Vou, porque agora tenho dinheiro, posso fazer o que estiver ao meu alcance para manter esses textos sob a minha autoria. Você é nojento seu filho da p. Calma lá, eu não fiz nada demais. É raro achar alguma coisa literária nesses sites da internet. A maior parte das coisas são pedaços soltos de poesia ou algum texto bem fraco. Mas no seu caso foi diferente: gostei do que eu li. Sei que a chance de algum dia algum de vocês, escritores de acaso, publicarem alguma coisa é praticamente nula. Por isso mesmo tomei a liberdade de pegar emprestado alguns textos seus. Quer dizer que você pegou texto de outras pessoas também? Talvez sim, talvez não. Se sim, a maior parte dessas pessoas nem vai desconfiar: você foi um caso bem à parte. Não esperava que isso acontecesse. E que respaldo tem um escritor que não escreve aquilo que afirma escrever? Importa como eu cheguei aonde estou? Poderia afirmar que era um catador de lixo que isso só seria mais mídia para mim. As pessoas não se importam com o que o levou a escrever ou com o porquê os escritores continuam escrevendo, elas só sabem da sede delas próprias de ler alguma coisa que as agrade ou mexa com os seus sentidos. Os leitores são uns egoístas. Talvez algo disso tudo que você tenha dito faça sentido, mas ainda assim nada justifica o fato de você ter roubado a autoria dos meus textos. Pelo menos assim você pode vê-los publicados uma vez. Não com o seu nome, é verdade, mas ainda assim você viu seus contos impressos em páginas, papel e tinta. Não te dá um certo orgulho pessoal, um certo regozijo de ver naquelas páginas as suas letras escritas? Sim, de fato, mas quero vê-las com o meu nome e não o seu. É algo com o qual você terá de se conformar. Essa ligação, caso não tenha percebido, é um forte delato a meu favor. Pagarei bem para que essas palavras não venham a público. Passar bem.".