31 de outubro de 2007

Todas as cartas de amor são ridículas

Foi relendo texto passados, rascunhos e idéias em forma de semente que eu fui dar de cara com uma "carta" muito especial. Quando escrevo um texto lírico, tenho o objetivo de causar um baque no leitor, despertá-lo para algo que acredito ser verdadeiro. E curiosamente, reler essa carta direcionada (cujo o nome da interlocutora não importa) fez com que eu caísse numa armadilha feita por mim mesmo. E para compartilhar esse momento tão sutil que tive, eis o texto, do "rascunho" para o blog.

Declaração

Que a minha loucura seja perdoada
porque metade de mim é amor
e a outra metade também.
Ferreira Gullar - Metade


Eu preciso te confessar que desde que meu peito experimentou aquela inquietude, eu não tenho tido meu sossego. Se me pego parado, penso em você. Eu, que até a pouco tempo, me achava cético para os assuntos do coração de repente surpreendido, pego no contra-pé. Não esperava as suas palavras, não esperava ler a palavra amor sob um contexto tão confuso, tão complicado.

"Onde você mora?" "Eu moro no Paraíso, perto daquela igreja, sabe?" "Eu nunca estive lá, mas minha vida inteira é isso, um querer estar no Paraíso e sair desse lugar." - pensei, mas não falei.

Hoje eu passei por onde você mora. Tomei um café demorado e me deixei estar lá. Eu amo a Avenida Paulista, é um lugar onde me sinto à vontade como um paulistano, lá meu coração bate mais alto. Mas minha âncora no meu lugar era um pensamento perdido de alguém que estava longe. Saudade. Se dependesse de mim, tomaria café até você voltar. Pensei na sua companhia ali também, dividindo aquele espaço que se tornara tão sagrado para mim, uma conversa despropositada falando da vida, do que já se viveu. Paguei a conta e sai.

Cada passo de volta para casa me remetia a um verso, uma poesia que não tinha por onde sair e morria em mim mesmo. Eu ouvia o peito um pouco mais acelerado e era a sua lembrança, de um algo que a gente não havia vivido ainda. E lá se ia meu sossego, num ônibus de São Paulo, rumo a minha casa. Meus olhos ganharam um viés que só sabe te enxergar e te lembrar.

E hoje, aqui, nesse escrito, eu sou mais um coração do que duas mãos escrevendo. Não sei o que o futuro nos aguarda, nem sei se de repente você é a pessoa certa, a pessoa que eu aguardo, mas naquela nossa conversa você ganhou mais do que meu respeito apenas. É necessário respeito aos loucos, aqueles que vivem além da lógica, se é que ela existe no dia-a-dia. Você me mostrou mais do que apenas um olhar e uma demonstração de cuidado com o seu medo de me magoar, e digo que aos poucos você está me ganhando. Balanço agora uma chave na sua frente e digo "se quiseres meu coração, a casa é sua e pode entrar". Já não tenho tanto medo da solidão, e por isso mesmo não tenho medo de quebrar a cara em outro amor. Independente do que será do amanhã, se um sim ou se um não (o tempo dirá), saiba que você conquistou para sempre um espaço no meu coração. Sou uma promessa: enquanto não houver uma resposta, sou teu. Porque o teu amor "comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte".

Beijos.

22 de outubro de 2007

Cumpleaños

Como sempre, aquele famoso texto de transição do hoje e do 20 de outubro do ano passado. A motivação para escrever é justamente poder análizar tudo o que se passa de um ano para o outro, poder quantificar e qualicar o que mudou em minha vida. Pensamos: passou tão rápido. Mas é fato que nessa passagem rápida de um ano para o outro, temos 365 dias vividos com maior ou menor intensidade. É mais ou menos isso que quero recuperar nessas linhas: os picos de felicidade e tristeza e fazer toda uma análise desse gráfico complicado e irregular.

Posso descrever esse período claramente como tempos em que deixei a escrita de lado. Não por falta de paixão, mesmo porque ficar assim, de frente para o computador escrevendo sobre uma besteira qualquer simplesmente me apaixona. Mas dei espaço para coisas novas aparecerem e acontecerem. Acho fundamental para quem escreve ter repertório sobre o que escreve, e isso me fez muita falta em certos pontos da minha vida. Gosto de fantasiar, mas preciso de um toque de veracidade no que escrevo, principalmente quando o objetivo é escrever uma verdade de uma forma diferente.

Conheci muitas pessoas. Integrei-me e me entreguei totalmente a equipe de atletismo da faculdade, que virou minha paixão por um bom tempo. Ainda na faculdade, conheci os bixos desse ano. Pena não conseguir conversar tanto com eles quanto eu gostaria. No trabalho voluntário, conheci muitas e muitas pessoas. E em tão pouco tempo, todas essas pessoas ganharam uma notoriedade maior e menor. Nunca esquecer dos meus bons amigos, que tiveram de brigar bravamente dentro do meu coração para conseguir um espaço na minha agenda apertada.

Acho que talvez o grande destaque dessa fase de transição tenha sido justamente o trabalho voluntário. Sempre tive uma vontade imensa de mudar o mundo para melhor, em fazer algo diferente do famoso discurso de que devemos cuidar do mundo em que vivemos. E foi nessas várias experiências ao longo desses meus 22 anos que eu pude perceber o quão gratificante é para si mesmo poder ajudar o outro e o quão agraciados nós somos, com as nossas vidas que por vezes achamos medíocres. Foi ajudando o outro que pude rever valores e colocar em prática os valores que foram forjados ao longo do tempo, baseados no princípio de coletividade e responsabilidade social.

No coração não foi o ano mais feliz. Senti-me mais covarde. Não fui capaz de grandes loucuras de amor, principalmente porque fiquei cada vez mais decepcionado com o mundo. Nasci com um coração de um século ou mais de atraso. Penso muito a respeito do romantismo tão particular em mim e tento imaginar se serei feliz (de novo) com alguém ao meu lado. Fico chateado com as pessoas que me cercam e com a maneira que usam seus corações. Fui testemunha indireta de traições, separações, brigas. Fica difícil imaginar se aos 23 conseguirei ser mais feliz nesse quesito.

O saldo dessa conturbada entrada nos 23 anos de vida é mais do que positiva. Senti-me mais vivo, senti-me mais feliz e aprendi, sobretudo, a controlar um pouco mais meu coração sobre as mais diversas questões. Tenho medo de ter ficado um pouco mais alheio a um monte de coisas que eram me antes preocupações fundamentais, mas acredito que tudo isso faz parte do imutável processo de amadurecimento. E a cada ano que passo, percebo que as brincadeiras ficam cada vez mais de lado e a responsabilidade e o aprendizado se tornam nossas principais companheiras. Que venham os vinte e três.

9 de outubro de 2007

Retrato III

Na calada da noite, os homens rastejavam sobre o mato alto, trajando uniformes camuflados manchados de terra, munidos de armas pesadas. De repente, um pedido de silêncio mais a frente. A caçada tornara-se mais fácil. As ordens eram de cercar o acampamento e dominar todos. Rápidos como os disparos que se seguiram, os homens renderam todos no acampamento. Alguns foram mortos ali mesmo. Um deles gritou. Foi levado a uma escola nas redondezas.

...

Jogaram-no numa sala e o mantiveram preso. Alguns soldados ficaram impressionados quando foi feita a confirmação da identidade do homem. Sentiram-se orgulhosos e comentaram com alguns passantes que faziam seu caminho para o trabalho no campo. Todos o observavam do lado de fora da escola por uma janela, a uma distância segura de sua periculosidade.

Mas do lado de dentro daquela sala de aula, o capturado não fazia nada a não ser mostrar resignação de bicho domado. Sabia bem seu destino e enchergava, claro como a água, que toda a sua luta até ali tinha valido a pena. Fatalmente seria pego, uma hora ou outra. Uma criança, que tinha sido erguida pela mãe para que pudesse ver o homem dentro da sala, olhou-o, barbudo e sujo de muito tempo. Ele levantou seu olhar, que foi de encontro ao olhos do garoto que o viam impressionados. Ele apontou para uma parede com um dos dedos, mostrando um alfabeto preso num varal improvisado na parede.

O homem que comandava a situação toda pediu aos trabalhadores para dispersarem o local. Comentou algo com os homens todos na porta "o presidente deu ordens, podem escolher entre vocês quem fará o serviço". Houve uma discussão impregnada de orgulho e barulho por parte de alguns deles. Depois de um tempo, entraram na sala em silêncio. O homem se levantou como quem iria receber uma sentença já sabida e dirigiu a palavra aos homens armados "Eu sei que vocês estão aqui para me matar. Atirem, covardes, vocês vão matar apenas um homem.". Sem mais palavras, os homens apontaram as armas e acertaram-lhe tiros nas pernas e, logo em seguida, no peito.

Deram uma risada leve, como se tivessem livrado o mundo de um grande mau. De espólio ficaram seus pertences que foram repartidos entre seus executores, com os mais valiosos para o comandante da operação triunfante. Com medo da lenda que cercava aquele homem martirizado, cortaram-lhe as mãos e levaram seu corpo algum tempo depois para exibir a imprensa, killed in action. E fotógrafos famintos fusilavam seu corpo com flashes de luz ao lado de homens fardados cheios de orgulho, como pescadores que pegaram o mais lendário dos peixes. Mas mal sabiam eles que aquele era apenas um peixe, o mar ao longe batia e rebatia com o barulho de ondas indiferentes como a verdade.

8 de outubro de 2007

À procura do estilo perfeito

É necessário de tempos em tempos revisitar algumas das nossas paixões para entender o que nos prende tão profundamente ao que amamos de verdade. E embora meio abandonado o hábito, não pude resistir à pergunta de uma certa Daniela sobre o escrever e me senti obrigado a remontar épocas remotas que remontam uma procura por uma identidade como escritor e poeta.

Tenho muitas motivações para escrever, tudo varia com o momento. Há textos que são retratos do meu dia-a-dia, ou um fato surpreendentemente novo o qual eu faço questão de escrever para mais tarde me lembrar. Escondo meu nome em meio a uma situação, em personagens e cenários fictícios, mas que remontam no seu âmago uma história que, ao repassar os olhos em cada palavra, remonte um momento especial para mim.

Escrevo quando me bate uma idéia. Levam alguns livros, poemas, contos e muita rotina (que tem todo o seu quê de poesia também) até que algo bom de verdade apareça. Gosto de ser criativo e original nas minhas idéias, fazer com que os meus poucos leitores (mas muito especiais!) se deparem com algo surpreendente que os encante e provoque uma discussão sobre aquilo que se acabou de ler, mesmo que subconsciente.

Os poemas, hoje tão raros, escrevo quase sempre pensando em um amor distante que fica quase sempre na distância. Mas nesses poemas, posso me sentir mais perto de quem amo e acreditar que dentro de mim pude cultuar algo que é verdadeiro.

A base de tudo talvez remonte o tema de uma procura por estilo. Escrevo contantemente, em várias formas, para tentar adquirir uma identidade literária. Até algum tempo atrás eu me julgava um conjunto desconexo de recortes de estilo. Já hoje, percebo que tenho algo mais sólido montado sob a base de mim mesmo. Escrever representa para mim, portanto, mas do que um simples ato ou despretenciosa verborragia: é uma maneira de me conhecer melhor como ser humano e, ao mesmo tempo, transmitir a minha visão de mundo impregnada com poesia, na qual acredito de maneira tão forte. Mas essa visão já é uma outra história.