24 de novembro de 2007

Os outros

Certa vez no metrô, encontrei um menino, esperto de tudo, que estava impressionado com a velocidade que o vagão atingia. Era a única figura que se destacava na multidão tão acostumada com o dia-a-dia do transporte público, fingindo que surfava enquanto os trens faziam uma curva em alta velocidade. Sentou-se ao meu lado. Fiquei inqueito e tirei os olhos do meu livro para puxar um assunto qualquer. "Gosta de ler?". Respondeu afirmativamente e até citou alguns livros preferidos. Fiquei encantado com aquele guri, que desceu na estação seguinte junto com a mãe que ralhou com ele por falar com estranhos.

Naquele exato momento me deu um estalo de querer escrever para as crianças. Quis medir a minha infância com a dele, mas jamais saberei (os trens voltaram a se locomover) o que aquele menino esperava encontrar nos livros, ou ainda o que fazia ele gostar de ler. As perguntas brotavam aos milhões.

E naquele instante eu me questionei o que eu gostava de ler e o porquê que eu lia, por exemplo, aquele livro ali, bem nas minhas mãos. A resposta não caberia aqui e vou emiti-la. Pensei se o meu porquê de ler seria em algum momento semelhante ao porquê daquele garoto. Talvez a maioria das motivações não fosse nem em parte idênticas, mas um algo em comum com certeza existia.

Pensei que escrever seria uma tarefa muito árdua se eu tivesse que me restrigir a um público muito restrito, como apenas aquele menino que a alguns instantes saíra com sua mãe do vagão. E eu, como quem escreve, pensei que deveria escrever despreocupado com o público que me lesse, pois o que eu escrevo é pessoal, mas é um algo que desejo compartilhar com todos, inclusive com aquele menino se algum dia ele achasse algo escrito por mim. Deveria centrar o que escrevo ao redor de mim mesmo. Deveria viver centrado ao redor de mim mesmo.

4 de novembro de 2007

Rabiscos Inconcretos

É preciso perder a liberdade para saber valorizá-la. Seguindo essa premissa, dois eus se separam em espaços diferentes da escrita e se encontram para compor a minha existência, apesar dos atropelos e confusões. E dessa vontade ambígua de querer e não querer escrever, nasceu o meu caderno, onde guarde recortes poéticos da minha vida. Torno-os indecifráveis e irreconhecíveis, ao ponto de que nem eu mesmo consigo lembrar o que me ocorreu.

Acredito que se você quer transmitir algo de diferente nos seus textos, o seu eu não deve importar. Há causos e causos, cada pessoa vive e tem experiências de vida diversas. Escrever pra mim é o ponto de encontro do meu sentimento com o sentimento do todo. É a generalização das idéias, provocação das discussões. Acredito que apenas somos capazes de entender quem somos e definir pontos de vista se pararmos para pensar em tudo que fazemos e tudo que os outros fazem. A literatura pode ser uma mentira do ponto de vista de que grande parte das coisas que se escreve é ficção. Mas ainda assim, é possível aprender muita coisa com personagens, situação dramáticas e literárias. Os contos que líamos quando crianças pregavam bem isso, os livros e textos literários de hoje, com nós crescidos, não é diferente.

Quanto à liberdade: no meu caderno tenho liberdade, principalmente para errar. Tenho uma cobrança pessoal muito forte, e às vezes sinto que isso inibe alguns textos de saírem. Mas lá eu posso fazer qualquer coisa, posso tentar, posso errar, posso mudar, tudo simples como a borracha e o lápis. Se por um lado aqui tenho toda essa pressão pessoal por um algo de qualidade, lá é onde eu relaxo o braço e as idéias.

Juntando isso, forma-se o caderno de idéias pré-maturas e sentimentos confusos. Mesmo com essas características tão peculiares, às vezes me sinto mais à vontade de escrever lá do que aqui. Talvez por essa cobrança lá ser atenuada. Mas ainda assim, gosto de manter comum no blog e no meu caderno esse aspecto literário e confuso. Se por ventura ele parar em mãos erradas, vão se dar conta de que, talvez, a vida da pessoa ali descrita não é a minha, mas de um outro alguém.