26 de dezembro de 2007

Las ultimas monedas

A viagem tinha sido mais onerosa do que qualquer previsão feita, isso era fato. Mas mesmo ante as dificuldades impostas pela falta de dinheiro, além da imensa barreira cultural que era a língua nativa e tantas outras que se apresentaram no caminho, juntei com bastante esforço moedas de pesos argentinos de diferentes valores. É meio que uma mania minha colecionar essas coisas diferentes que me aparecem na frente e achei que seria uma boa idéia retornar ao Brasil com umas moedas para poder me recordar bem da viagem (talvez lembrar da falta de dinheiro dessa viagem em particular).

E foi naquela espera demorada no aeroporto de Mar del Plata, cujo movimento na época de inverno era de um avião por dia, que nos encontramos eu e minha mãe perplexados pela mais profunda falta do que fazer. Nosso vôo sairia muito mais tarde naquele dia e estávamos com o dinheiro contado para pernoitar em Buenos Aires aquela noite, nossa última em terra argentinas.

Mas foi a saudade, que em palavra só exista no português mas é o sentimento mais globalizado do mundo, que desencadeou simultaneamente uma inquietude em nossos corações. Minha mãe estava apreensiva em ver novamente meu irmão mais novo e eu a minha amada. Decidimos procurar por um orelhão no aeroporto que, certamente, faria ligações internacionais.

Um fato curioso é que os orelhões de lá aceitam moedas de peso para efetuar ligações, bem à moda dos nossos telefones públicos antigos que funcionavam com fichas e se tinha um certo tempo limite para falar. Sacamos as moedas e desembainhamos o fone. Instruções, instruções: muita burocracia para ligar para casa. Primeiro minha mãe que ligou para minha avó e falou com meu irmão, emocionada e já cansada das terras estrangeiras.

Em seguida, conferi o tanto de moedas que havia guardado. Passou-me pela cabeça naquela hora o preceito mais fundamental das relações humanas a dois: a reciprocidade do amor. Ela talvez jamais entenderia o tanto de esforço que era me desprender daquelas poucas moedas para lhe falar um minuto, no máximo dois. Ouviria minha voz e pensaria "ele está bem" quando na verdade do outro lado do gancho uma saudade já quase desesperada devorava a calma e fazia as horas passarem mais devagar. Para mim aqueles instantes seriam a mais poética representação do nosso relacionamento até então: os amados que estão distantes.

Engoli toda a pensação e num ato de impulso puxei o telefone para mim e comecei a colocar as moedas. Umas demoraram mais a cair, mas coloquei o tanto que achei adequado falar. Estava nervoso, ancioso. Mas todo o mundo passou a importar pouco, inclusive as horas que se seguiriam (as piores de toda a viagem) e a vontade pouco racional de juntar moedas estrangeiras quando a voz saiu como uma injeção do mais forte calmante:

- Alô?

14 de dezembro de 2007

O Tom nunca muda

A única coisa que me faz chorar como uma criança, não de tristeza, não de felicidade: bossa nova. Às vezes boto umas músicas de Vinícius, Tom e dá toda aquela quentura no peito. E engraçado que, mesmo eles já não estando mais entre nós, sempre consigo achar uma música nova deles, uma música menos famosa mas que tem lá seu ritmo único e uma letra gostosa de se cantar.

É estranho como isso não acontece nas músicas de hoje: a maioria das letras possui uma letra que nos penetra por algum pouco tempo para logo depois sumir na memória. Já com a bossa a coisa é mais fina. As músicas falam quase sempre de um Rio de Janeiro que já não existe mais, de amores como não se vive hoje, tem ritmos que nenhum compositor dos tempos de hoje consegue criar.

E tudo isso me fez concluir que na verdade esse movimento musical ímpar na música brasileira se fez único pelas circunstâncias de uma Copacabana, uma Lapa como nunca seremos capazes de ver novamente. Incrível como você é capaz de se perceber cada gota cristalizada de uma chuva parada no tempo nas mais belas músicas que representam o movimento ('Chega de Saudade', 'Wave', 'Tarde em Itapoã', entre outras); Uma chuva como não se regam os solos desse Brasil a muito tempo (hoje os altos teores de dióxido de carbono só fazem chover ácido).

Cultuar o passado talvez não agrade tanto aqueles que tem uma visão progressista, mas acho difícil resistir a uma bossa quando o que temos para ouvir por aí perde tanto em qualidade. Muito pelo contrário, aquela época que tanto pecou pelo excesso de lirismo nas canções talvez possa injetar um veneno qualquer que amoleça os corações de pedra de uma geração cada vez mais alheia aos próprios sentimentos.