21 de junho de 2008

Arte em crise

Nos últimos meses vem se observando os seguidos escândalos ligados a roubo de quadros em renomados museus de São Paulo, inclusive um deles dizia-se um dos mais seguros. Perplexa, a polícia recorreu à ajuda internacional acionando a Interpol, para ajudar a solucionar o caso intrigante. Foi quando, por livre e expontânea vontade, um homem se apresentou a uma delegacia de polícia, num dia qualquer e assumiu a autoria dos crimes. A imprensa choveu na porta do estabelecimento tão logo soube que o autor dos crimes fora detido.

Movido para o prédio principal, onde ficava a elite da polícia para investigações do gênero, seguiram crimonoso e policiais para a sala de interrogatório:

- Muito bem, você se entregou de livre expontânea vontade. Acredito que não será trabalhoso dizer o que o motivou.
- Já me entreguei, não vejo lógica em querer saber meu motivo.
- Veja bem, se não soubermos o que o motivou, somos incapazes de apurar se você realmente foi o autor dos crimes.
- Se quiser provas concretas, dou o endereço onde estão os quadros e explico como entrei no museu com detalhes.
- Mas ainda assim, você se entregou! Porque raios cometeria um crime e se entregaria depois?
- ...
- Queria vender os quadros para o mercado negro? Fez isso por fama? Um teste às suas habilidades de gatuno? É louco?
- O que o interessa é minha motivação e não o crime em si?
- A curiosidade é parte da natureza humana.
- Pois bem, vou lhes dizer porque roubei os quadros. Na verdade, foi tudo planejado há um bom tempo. Sou um homem de posses, honesto e grande apreciador da arte. Faço parte de um grupo de pessoas que organiza eventualmente exposições de arte, recitais, saraus, tudo aberto ao público. Entretanto o número de pessoas que apareciam era cada vez menor, restringindo-se cada vez mais aos membros de nossa sociedade. Fizemos várias reuniões para promover discussões relativas a degradação a arte junto ao povo brasileiro. Ficamos transtornados em verificar com registros estatísticos de fontes confiáveis, que mesmo estando num dos países mais ricos em termos de variedade cultural e expressão artística, o brasileiro se distanciava cada ver mais dos livros, do teatro, dos museus.

"Decidimos então tomar decisões drásticas e organizamos o roubo nos dois museus de São Paulo. Utilizando o capital que nossa instituição possui, além de contatos clandestinos que eventualmente conseguimos, nos infiltramos no ramo de captação de obras de maneira ilícita. Você ficaria impressionado com o que já foi roubado não apenas no Brasil, mas no mundo todo: peças antigas, de séculos atrás, pinturas, esculturas, escritos originais, cópias de livros com baixa tiragem. A troco de um bom montante, conseguimos informações e ferramentas para orquestrar nosso crime.

"Não tivemos o intuito de fazer nada com as obras, tanto que algum tempo depois vocês encontraram os quadros intactos do roubo do MASP. Fomos nós mesmos que fizemos a denúncia anônima sobre o paradeiro das obras. Nosso objetivo era chamar a atenção para o descaso com a arte brasileira. Em Minas, obras de Aleijadinho sofrem constantes depredações por parte dos turistas; em São Paulo o próprio MASP teve sérios problemas financeiros. Mostramos com o nosso roubo que a segurança dos locais que guardam o patrimônio cultural do Brasil e do mundo são exatamente o reflexo do interesse geral na arte: nenhuma.

"Veja o baque que causamos: depois do roubo das obras do MASP, o número de visitações subiu! É claro, pois todos temem que algum dia sejam incapazes de ver algum dia as obras de Portinari e Picasso assim, tão de perto.

"Decidi me entregar, e meus camaradas o farão logo em seguida, pois uma hora nossos roubos seriam tão triviais quanto chacinas e escândalos no congresso. Veja o baque que causamos: depois do roubo das obras do MASP, o número de visitações subiu. É claro! pois todos temem que algum dia sejam incapazes de ver algum dia as obras de Portinari e Picasso assim, tão de perto e cansaram de adiar sua visita antes que seja tarde demais. Nos entregamos para fazer mais barulho e acordar esse povo para a beleza que se encerra em seus museus, antes que os piratas internacionais surjam e levem de vez esses quadros."

Colocando as algemas no homem, o policial ficou perplexo com a declaração, mas não pode negar, ainda que consigo mesmo, que ele tinha toda a razão.

10 de junho de 2008

Dia dos namorados

Peço perdão pelo cliché poético e pela mais profunda falta de criatividade em mais este dia dos namorados, amada, mas peço humildemente que aceite este presente. Não tenhas pressa em abri-lo: garanto que não é nada que não tenha te prometido antes. Mas a grana andava curta, sabe? Não o dei antes porque temia (não mais do que o amor que tenho por ti) cair na ferozes e impiedozas garras do cheque especial, esse vilão dos tempos modernos que pouco entende de amor.

O pacote está meio amassado sim. Vim correndo te trazer o presente, passando por ônibus, metrô, chuva e outros cataclismas da vida cotidiana. Mas não te incomodes por isso, nem pela embalagem sem graça e mal feita. Confesso que eu mesmo embrulhei o presente. Achei que fosse especial demais para pedir a minha mãe ou a moça da loja que embrulhasse para você. Saiba que não sou expert em material de papel (no escrito não vou tão mal), mas julgo importante o conteúdo a ponto de querer embalá-lo eu mesmo.

Não, não! Mais devagar! É frágil, aviso! Pensei se não seria mais adequado acomodá-lo em jornal, algodão, plástico-bolha, ou com aquelas bolsas de ar de entrega de correio. Mas qualquer um desses itens estragaria ou afetaria a qualidade do presente. Ele é único. É peça antiga, mas é contemporânea (não é arte!). Perdão a falta de sigilo, mas digo também que já teve outros donos. Eu sei que é deselegante falar isso... e não! Não estou passando presente para frente! Você merece muito mais!

Sem mais, amada! Pode revelá-lo aos teus olhos anciosos! Sim, é meu coração que te dou neste dia tão especial. Podes achar graça ou a falta dela, pois há muito te digo que é teu e não se dá o já dado a alguém. Mas confesses que foi uma manobra ousada, principalmente nesses tempos em que tanta coisa eu poderia ter te dado e tão pouco caso terias feito até o momento em que acabaria o perfume, as flores murchassem ou o ursinho fosse doado às crianças carentes. Ao menos meu presente é verdadeiro e sincero, todo amor que tenho por ti (espero sinceramente que não o esqueças num vidro com formol, na prateleira).

4 de junho de 2008

Privatização do português

Começou com uma brincadeira na sala de reunião da com o alto escalão da empresa. E se registrassem o nome da empresa, a QuaNTo (cujo significado deixo em aberto) de modo que cada pessoa que grafasse de alguma maneira se nome tivesse que pagar uma quantia simbólica pelo uso do nome? Os advogados entraram na justiça para requerer o direito e ver no que dava.

E justo num daqueles buracos das leis, que só os especialistas entendem, a empresa conseguiu ganhar a causa, sendo estipulado o fato de que a cada vez que a palavra 'quanto' (com qualquer combinação de letras maiúsculas ou minúsculas) a pessoa deveria pagar um centavo de real à empresa. E mal sabem vocês a quantia alarmante que a empresa lucrou em curto período de tempo, de modo que as pessoas já estudavam táticas para driblar o uso da palavra.

Este caso tornou-se um marco sem precedentes em termos de economia e língua portuguesa. Aproveitando a morosidade da justiça, empresas começaram a patentear palavras soltas da língua portuguesa sob o pretexto de que as tais eram acrônimos para nomes de produtos, subdivisões do empreendimento, marcas, nomenclatura de protótipos, etc. Alguns tiveram destaque internacional, como a empresa "a", que surgiu do nada e tão logo possuia um dos maiores capitais do país, com ações na bolsa e tudo mais.

Visando apaziguar os ânimos e percebendo-se do potencial econômico de sua própria língua nativa, o governo soltou um pacote de medidas que previam a venda de conjuntos de palavras ainda sem dono. Algumas palavras foram repatriadas e postas a leilão, a título de cobrir os enormes gastos causados pelo buraco na legislação. Escritores (atividade posta em risco ante a ameaça de cobrança por palavra) em suas colunas no jornal não poupavam veneno em seus textos: quem dizia que não era possível ganhar dinheiro com o português?