27 de novembro de 2009

Fim

Minha saúde já estava complicada não era de hoje: apresentei alguns sintomas alguns dias atrás quando me levaram ao médico e a constatação de que os mal-estares nao eram tão triviais como eu pensava. Correu-me um frio na espinha quando o médico pediu mais alguns detalhes sobre a minha vida e meu histórico hospitalar. Respondi sim, mas com a tensão de um prognóstico não amigável. Curto e com uma objetividade científica, disse-me que era necessária uma intervenção cirúrgica.

Nunca gostei dos seriados com bisturis, seringas e aquele sangue à mostra. Causava-me mal estar. Poucas foram as vezes que entrei num hospital e menos ainda as vezes em que eu era o paciente. Mas venci o nervosismo inicial com o argumento do homem de branco: era pro meu próprio bem.

Preparada a equipe com seus aparatos metálicos, que faziam sons terríveis quando se cruzavam, e devidamente trajada de azul, como manda o figurino, botaram-me pra dormir. Não sei descrever a sensação, se é que tive alguma, mas o tempo passou devagar e acreditei viver entre a consciência de sentir meu corpo manipulado por mãos de borracha e uma fantasia onírica induzida. Passeei por cenários estranhos e familiares, encontrei-me com pessoas reais e fictícias, senti gostos que descasavam com o que comia, até a maçã que em minha boca tornou-se metálica, férreo, no instante que acordei. Era sangue.

A equipe (disseram-me os familiares) tinha sido o mais competente quanto poderia se ter exigido, mas houveram complicações que não cabem citação. Meu corpo debilitado pouco se movia e uma sonda perspassava meu pescoço de tal forma que nao era possível falar. Nao esboçava muita reação e parecia absorto na situação tão delicada em que me incluia.

Dias passaram-se, quando senti de súbito um terrível mal-estar. O último som que me lembro ouvir foi dos equipamentos numa orquestra de barulhos desordenada. Quis manter meus olhos abertos, bem abertos, numa tentativa de manter um elo com o mundo dos vivos, mas onde as pálpebras me eram fiéis, os olhos me trairam e o mundo escureceu. Desejei poder gritar, mas os ecos dos sons inventados ressoavam apenas no imenso vazio de meu corpo. Não havia luz. Ao meu silêncio, as batidas de meu coração eram a única música que se ouvia e que atestava minha existência, um sambão, daqueles bravos, violentos. Até o momento que erraram o tamborim, uma vez, mas continuou. Errou-se outras duas, três vezes. O mestre de bateria se zangou, e de repente fez-se o silêncio. Estava morto. Não morri no instante que morri: a consciência do meu eu começou a se esvair em meio a memórias e lembranças de toda uma vida. Toda uma vida nos meus últimos instantes, até que fiz 'plim' e sumi.

11 de agosto de 2009

Paulista e tabagista

por Justino Jesus da Paz

Eu fico pensando em fazer meu próprio blog e deixar esse espaço pro colega, mas toda vez que me passa esse pensamento eu acredito estar metendo a faca nas costas dele. Ninguém saberia que eu existo (não que muita gente saiba) se não fosse o 'João escreve...'. Aí vendo os textos do autor principal e a frequência que ele posta, me dá dó de querer fazer um espaço pra desbancar o coitado e o blog ficar às moscas. Pelo sim pelo não, vai aqui mesmo.

Fica aqui registrada a minha profunda insatisfação com essa merda de lei que baixaram em São Paulo: agora é proibido fumar em lugares fechados. Mesmo os lugares mais ou menos fechados não dá pra fumar. Pros não-fumantes com certeza está sendo uma maravilha e eu até apoio em certo ponto: tem certos lugares onde você entra Victoria's Secret ou Tommy Hilfiger e sai Marlboro, Carlton ou aquelas porcarias de cravo ou mentoladas.

Definitivamente não é agradável ficar respirando a fumaça que passou pelo pulmão alheio (veja bem, na hora do rush o transporte coletivo não é tão diferente), mas puta que o pariu: eu tenho que descer dois lances de escada pra ir fumar uma porra de um cigarro. Fumo na rua, na chuva, na fazenda e tenho que voltar pra redação, subindo os mesmos dois lances de escada que acabei de descer. Fico totalmente sem ar e o nervoso me faz querer fumar outro cigarro. Se queriam que os fumantes se exercitassem, estão conseguindo: acredito que minhas pernas até engrossaram de tanto sobe/desce.

Comecei a fumar não pelo glamour dos filmes ou dos comerciais de cowboy, mas porque a vida me preparou para o cigarro. Sempre fui estressado com as merdas todas que aconteciam comigo (já compartilhei umas com vocês) e a única maneira de me controlar foi pelo cigarro, já que o maracujá e a camomila não faziam mais efeito (aliás, passei a odiar os dois) e os tarjas pretas do mercado não costumam sair barato.

Fumo muito, algo entre dois e três maços por dia. Só assim pra aguentar toda a pressão dessa vida paulistana. E São Paulo além de me deixar assim, puto com tudo, agora quer que eu não me tranquilize, ou tenha que fazer um fitness básico para tal. Pra sorte do estado e dos colegas, não vai demorar muito pra lei fazer efeito e diminuir o número de fumantes na cidade. Com a frequência que eu tenho fumado, não demoro a bater as botas.

28 de junho de 2009

A saga do feliz ganhador da loteria

Não consigo dormir direito há uma semana. Os problemas de insônia começaram com o fatídico dia em que faturei sozinho um prêmio de 28 milhões de reais sozinho na loteria. Sinceramente não sei o que fazer com tal prêmio e as possibilidades turvam minha mente.

Senti-me intimidado com tantos zeros na conta bancária, e afim de não afetar relações entre amigos e familiares, não comuniquei a nenhum deles sobre a minha sorte. Tampouco a namorada, que tem me percebido demasiadamente apático e demonstrado sua preocupação comigo e conosco.

Não fui trabalhar essa semana. Na segunda não fui porque acreditava que não precisava; na terça não fui alegando mal-estar na família; na quarta tive uma crise paranóica e, com medo de que alguém desconfiasse de algo, não sai de casa.

Foi na quinta-feira que, bem discretamente vestido e sem aparentar grandes alegrias, fui até a lotérica onde fiz a aposta para reclamar meu prêmio. Uma grande faixa de "Aqui saiu o prêmio de 28 milhões de reais" estava logo na entrada. Criou-se um grande burburinho no bairro onde moro com relação a identidade do feliz ganhador da loteria. Eis-me lá. Falei baixo ao caixa:

'Sou o ganhador da loteria, gostaria de saber como posso retirar meu prêmio'

Ao passo que houve um grande rebuliço, com direito a sirene, buzinas e estouro de champanhe barato. De repente todos ali sabiam a minha identidade, e curiosos se aproximavam para saber o que acontecera. Fui congratulado, apertei várias mãos e as pessoas me enxergavam como uma imensa estátua de ouro ali, parada, perplexa. Após uma certa comemoração, a atendente me entregou um papel com as instruções de como retirar meu prêmio junto ao banco do governo (deveria ser lá, dado o montante a ser recebido).

Retornei para casa seguido por centenas de olhos famintos por qualquer quantia que pudesse aliviar as suas dores. Tornei-me uma espécie de santo pagão. Não consigo dormir direito há uma semana.

20 de junho de 2009

O feliz ganhador da loteria

Hoje aconteceu o inesperado. O que não passava de uma brincadeira despropositada (mas com um fundinho de fé) se tornou realidade hoje. Descreditei quando acompanhei os números na tela do computador batendo tal qual os da aposta que fiz ontem. E o resultado conferia: um único ganhador na mega-sena havia levado para casa sozinho 28 milhões de reais.

Exaltei-me, fiquei eufórico, e as axilas suavam como se estivesse correndo a maratona ao ver e rever o resultado. Mas sim, tornei-me o mais novo milhonário do quarteirão, do bairro, da cidade, do país. Chega dessa vida batida e cansada, desse dia-a-dia monótono e estúpido. Nada mais me importa: não precisarei mais ir ao trabalho na segunda e os trabalhos da faculdade todos podem ser adiados para sempre. Viverei de rendimentos da gorda poupança que se abre para mim.

Serei aclamado como salvador da pátria dos amigos e familiares endividados. Vejo todos congregrados ao meu lado, brindando à minha saúde e gozando comigo a minha própria sorte. Sequer sei o que farei com 28 milhões de reais, é muito mais dinheiro do que consigo imaginar. Nunca tive sonho de imóveis, automóveis, empreendimentos monstruosos. Talvez eu apenas queira viver no sossego de uma vida tranquila regada com as coisas mais básicas. Talvez compre uma casa na praia, onde passarei o resto da vida.

Pouco sei dizer sobre o futuro da exorbitante quantia. Só sei que, por hora, manterei segredo sobre esse fato. Ser milhonário implica em muitos riscos. Quem sabe o que o futuro me aguarda?

28 de março de 2009

Gênese canhestra

por Justino Jesus da Paz

Começou tudo errado na minha infância: meus pais tentavam mostrar para mim a importância de estudar e ter uma profissão boa. Não vou dizer que era relaxado para estudar, mas era sempre assim "Pai, porque eu preciso estudar?" "Pra ter um emprego bom, filho" "E pra que eu preciso ter um emprego bom?" "Pra conseguir pagar suas contas, filho". Meu pai nunca chegou pra mim e me disse: vai lá filho, seja feliz. Acho que ele deduzia que com um bom emprego e com as contas pagas eu seria feliz, e foi isso que eu deduzi também.

Na verdade eu até arrisco que hoje eu sou feliz. Por que? Porque eu pago as minhas contas. Não só as contas mas compro qualquer merda que eventualmente vá me fazer feliz. Sou muito feliz por causa das coisas que tenho, porque alguém me diz eventualmente que ter tal coisa deixa a gente muito feliz.

Troquei meu sonho de ser piloto de Fórmula 1 (inspirado pelo Senna), jogador de futebol (inspirado pelas copas), de ser astronauta ou mocinho de Hollywood (inspirado pelo cinema), policial ou bombeiro ou médico (inspirado pela função fundamental das profissões), cartunista ou músico ou artista ou escritor (que é o que eu realmente queria ser) por uma televisão de plasma de 50 polegadas. Fiz um ótimo negócio, pai. Troquei inclusive o casamento (o senhor nunca me falou nada sobre isso) por uma trepada ocasional no meu duplex. Uma pechincha, às vezes eu nem preciso pagar.

Consigo ser feliz também por ter superado essas porras todas que cruzaram meu caminho: a falta de vocação pra algo, a faculdade, a redação, minha frustração com incapacidade de mudar o mundo. O mundo é uma grande bosta muito maior do que a gente que manda a gente estudar e comprar TVs de plasma. Hoje meu pai tem orgulho de mim.

Me perguntaram algumas vezes: Justino, você quer ter filhos? Deus me livre de ter filhos. Um dia o guri vai vir pra mim e me perguntar pra que ele tem que estudar. Não vou saber responder no começo e logo em seguida vou mandar ele à merda.

16 de março de 2009

Desaventuras no jornalismo

por Justino Jesus da Paz

Pois bem, após algumas brigas com esse negócio todo aqui, eis meu segundo texto. Como eu falei antes, meu nome é Justino Jesus da Paz, amigo do proprietário dessa birosca, que está postando em caráter extraordinário para "recuperar o meu eu lírico", vulgo encher linguiça enquanto o João não pode. Grande coisa ter encontrado o cara depois de tanto tempo e ele me mandar escrever aqui, francamente.

Mas já que não tem muito o que fazer, vou escrever, afinal 'Justino escreve'. Vou contar a vocês o que me levou a me tornar jornalista. Para quem não sabe eu sou jornalista. Sou formado numa faculdadezinha mequetrefe que não vale a pena citar, principalmente porque não me ensinou nada do que faço hoje. Mas enfim, a única coisa que eu sabia fazer mais ou menos direito quando pequeno era escrever. A professora até elogiava os meus textos e falava que eu era uma criança criativa nas reuniões de pais e mestres. Minha mãe quando lia os textos achava no máximo bacana e meu pai claramente gostava mais de ler o jornal. Minha vó é quem deu trela e falou "aposto que um dia você vai ser um grande jornalista". Ela não falou escritor porque não queria que eu passasse fome. E deu no que deu.

Amarguei alguns anos de faculdade, regado a muita festa e tranqueiras, como todo bom universitário faz (se você não é, recomendo que entre na faculdade por esse motivo). Não vou dizer que foi ruim, vai. Aprendi a bolar baseados e corrigi alguns erros de português grotescos que eu cometia. Dei uma melhoradazinha no estilo com auxílio de alguns professores que realmente se preocupavam comigo. Estagiei na redação de um grande jornal daqui de São Paulo e outra de uma revista feminina de homem pelado. É, eu tava precisando bastante do dinheiro.

Na tentativa de impor minha visão crítica de mundo, voltei as redações de grandes jornais, mas não mais como o garoto que passa o café ou tira xerox, e sim como o redator. Mas tomei no cu: meu chefe queria que eu escrevesse exatamente como ele pensa. Sabe como é, se eu não escrever como ele pensa, que é como o chefe dele pensa, ele se fode e eu vou junto na roda. Enfim, fiquei desgostoso com isso. Não posso nem me expressar como eu quero nessa merda de profissão. Talvez na revista de homem pelado as pessoas me ouçam mais do que nessa bosta de redação.

6 de março de 2009

Novo Colaborador

por Justino Jesus da Paz

Já dizia minha avó que não devemos disperdiçar as oportunidades. E foi com essa linha de raciocínio que eu aceitei (na verdade, antes eu aproveitei outras oportunidades e elas acabaram se aproveitando de mim, espero não estar no caminho errado) a oportunidade de me tornar colaborador deste blog, junto a meu amigo João. Certamente poucas pessoas me conhecem. Pra ser exato, nenhum de vocês deve me conhecer, porque nunca dei as caras por aqui, nem em citação, mas tudo bem.

Aos perdidos eu explico: eu e João praticamente crescemos juntos e fui uma daquelas amizades de infância que vingou. Algum tempo sem se falar, acabei o encontrando e matamos as saudades. Algum tempo depois, numa conversa aleatória em algum bar de São Paulo, bebericando uma cervejinha (na verdade foi por Gtalk e eu sou abstêmio, mas acho que assim dá um ar mais boêmio), comentei da minha infelicidade com a minha profissão. Ah, eu sou jornalista. E então meu amigo se ofereceu para me dar um teto nesse espaço virtual para tentar me reencontrar com "a beleza subliminar das crônicas e histórias".

Certo, a primeira coisa que fiz foi acessar o blog e ver os 'posts', como diria ele. Vá lá, alguns textos meio chifrins, mas não era mal. Pelo menos não tinha (muitos) erros de português. Me interessei e falei para ele que toparia escrever uma coisa ou outra. Na verdade, a ter que escrever algo em conjunto com ele eu preferiria fazer o 'Justino escreve', mas para não atropelar a idéia do colega fiquei por isso mesmo. Virei colaborador.

Na verdade eu não sei o que deu na telha do cara pra me chamar aqui para escrever. Eu sinceramente não tenho nada para falar, principalmente para vocês que são pessoas que eu nem conheço. Pra ser honesto, acho que o Jão abandonou essa tranqueira na minha mão pra ficar atualizando qualquer merda e falar que o blog tem conteúdo. Mas antes que a oportunidade se aproveite de mim, eu vou me aproveitar dela.

3 de fevereiro de 2009

Anti-merchandising

(começa com uma frase de efeito e termina com uma história real)

Emagreci 5kg nos primeiros dias: era a depressão que me roia os ossos. Te amei, te amava (os tempos verbais todos se confundem) por tanto tempo, que o simples pensamento de amanhecer sem a perspectiva de você me azedava a boca, ao ponto que a comida que entrava, quando entrava, era pouca e caia mal no estômago.

Chorei. Chorei absurdos, a tal ponto que acreditei ter perdido os 5kg assim: no choro. Tornei-me inútil e tão pouco necessário. Apenas ficava ali, parado, num transe. As coisas paradas se mexiam e por alguns momentos te vi atravessar a porta desesperada, em vão. Tua imagem virou pintura na porta por onde te vi passar e dizer adeus.

Comecei a fumar e cheguei a arquitetar minha própria morte. Deixei os dois, pois nenhum caminho me levava para o teu lado.

Passei a me torturar com as fotos de nós dois juntos. Amei-te tão profundamente que seria capaz de construir a ponte no abismo, brotar uma rosa no chão. Quis teu cheiro em um vidro para dele fazer meu vício, meu perfume diário e ocasional. Nada ficou senão a sua imagem, e as nossas fotos, na minha mão, se apagavam com tamanho querer.

Hoje sou resoluto e batalhador. O tempo fez questão de apagar as nossas memórias, mas como um jarro de água no deserto, restaram de mim 5kg a menos de gente e uma sede absoluta que rios, lagos e oceanos não conseguem levar.