26 de março de 2007

Viajar

Acho a descrição um dos mais ingratos estilos de texto possíveis. Isso porque definir em palavras qualquer coisa, cenário, sentimento ou mesmo uma palavra da língua portuguesa é algo que exige minúcia de quem escreve, quase como se fosse necessário incorporar o tema e buscar em si mesmo qualquer coisa que exprima exatamente (ou da melhor maneira possível) aquilo que se deseje fazer por conhecer. E o verbo viajar tornou-se exatamente isso: uma palavra difícil de se definir sem se fazer citar exemplos palpáveis e ou experiências pessoais. E é nesse clima de bossa, de uma saudade da própria saudade, dos tempos em que se tinha algo/alguém a se esperar, que eu descreverei o intransitivo verbo viajar:

Viajar, de verdade mesmo, é transportar-se para outro lugar. Não importa se você quer realmente ou não ir para esse lugar, fato é que você vai se surpreender com as milhares de variáveis novas que se apresentarão diante dos seus olhos e com as quais você não contava quando citou em uma conversa passageira o nome daquele lugar ou cidade. Tudo é diferente: as ruas, as construções, a língua, as pessoas, a mão da rua. As pessoas passam despreocupadas no seu dia-a-dia e você se impressiona com o grau de novidade que aquilo é para você e que é indiferença para quem passou a vida inteira ali naquele lugar.

O ar tem outro cheiro (que às vezes é cheiro nenhum, depende de onde você veio) e o céu tem mais estrelas. As nuvens são reproduções de quadros de campos invertidos, com plantações de algodão e grama azul meio-dia. Os carros serão muito mais novos e modernos ou surpreendetemente mais velhos, mas todos andam e isso é o que importa. As pessoas andam sem pressa alguma. É estranho conceber que as pessoas andam até o trabalho ou de bicicleta ou de carona com um vizinho. Aliás as pessoas são muito mais educadas ou mais duras; não falta educação, mas impessoalidade com que se trata um desconhecido dá o charme ao lugar.

De ônibus, carro, barco, é aquele mato baixo que corre as beiradas, muito rápido, muito devagar. De avião é aquele medo da altura e a insípida comida servida pelas aeromoças de saia. Aliás saia é o que não falta onde se está: as mulheres tem um estilo diferente, nada daquela mistura danada que tem no Brasil. É raro ter o corpo moreno das brasileiras, mas as mulheres de todo o globo possuem um charme pessoal e impossível de migrar com a pessoa. As praias onde elas se deitam, ou passeiam a pé, são de areia branca e um barulho de mar que por si só fala muito sobre si.

As noites tem mais lua, lua de prata, e tudo é tão mais sedutor do que a mesmisse de todos os dias onde se vive. Os preços mudam de acordo com o câmbio, a comida tem um tempero diferente. A globalização propicia muita coisa, mas a comida daquele lugar, só naquele lugar tem aquele "a mais". As bebidas podem mudar de rótulo, nome, mas a mão que mistura a bebida que você vai beber são de lá, daquele lugar. O colchão é de hotel, quando se tem. O chão se torna mais macio próximo da hora de dormir.

Nada é como se estivesse em casa. E viajar tem esse todo de infinito que cabe em um único vernáculo, é uma saudade adiada do instante da partida até o fim da vida, pois não há quem viaje que não queira partir novamente. É nascer e morrer, novamente.