3 de dezembro de 2010

Hiato

- H-i-a-t-o.
- Assim professor?
- Isso mesmo.
- E o que é hiato?
- Hiato é o encontro de duas vogais numa mesma palavra. Como em uma sílaba só pode uma única vogal, o hiato separa as duas vogais em sílabas diferentes. Como em sa-ú-de, ru-í-do, pa-ís.
- E por que se separam as vogais?
- Porque não pode duas vogais juntas.
- Sim, isso eu entendi. Mas por que as vogais não podem ficar juntas?
- É uma regra gramatical.
- A regra não permite que elas fiquem juntas?
- Não, querido.
- Mas que chata essa gramática! Não deixa nem as letras viverem juntas.
- Se é uma regra é porque tem um motivo. Se não fosse o hiato, as palavras ficariam difíceis de pronunciar. Nem toda separação é ruim. Às vezes é necessário haver uma separação para saber valorizar o tempo que temos. Na língua portuguesa, o hiato permite que apreciemos as palavras com calma, quase como se fosse a sobremesa mais gostosa que você já provou. As palavras ditas ao acaso são tristes e vazias. Já as palavras ditas com calma e com sabedoria são cheias de vida e significado, tanto para quem diz, como para quem ouve. Assim como no português, tudo na vida precisa de um hiato.
- Por isso que eu tenho que aprender a ler e escrever direitinho?
- Isso mesmo. Um dia voce entenderá que as palavras tem um significado muito além do que está escrito, e que mesmo quando se separa o todo ainda permence junto.
(a melhor aula de português que este garoto teve)
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27 de novembro de 2009

Fim

Minha saúde já estava complicada não era de hoje: apresentei alguns sintomas alguns dias atrás quando me levaram ao médico e a constatação de que os mal-estares nao eram tão triviais como eu pensava. Correu-me um frio na espinha quando o médico pediu mais alguns detalhes sobre a minha vida e meu histórico hospitalar. Respondi sim, mas com a tensão de um prognóstico não amigável. Curto e com uma objetividade científica, disse-me que era necessária uma intervenção cirúrgica.

Nunca gostei dos seriados com bisturis, seringas e aquele sangue à mostra. Causava-me mal estar. Poucas foram as vezes que entrei num hospital e menos ainda as vezes em que eu era o paciente. Mas venci o nervosismo inicial com o argumento do homem de branco: era pro meu próprio bem.

Preparada a equipe com seus aparatos metálicos, que faziam sons terríveis quando se cruzavam, e devidamente trajada de azul, como manda o figurino, botaram-me pra dormir. Não sei descrever a sensação, se é que tive alguma, mas o tempo passou devagar e acreditei viver entre a consciência de sentir meu corpo manipulado por mãos de borracha e uma fantasia onírica induzida. Passeei por cenários estranhos e familiares, encontrei-me com pessoas reais e fictícias, senti gostos que descasavam com o que comia, até a maçã que em minha boca tornou-se metálica, férreo, no instante que acordei. Era sangue.

A equipe (disseram-me os familiares) tinha sido o mais competente quanto poderia se ter exigido, mas houveram complicações que não cabem citação. Meu corpo debilitado pouco se movia e uma sonda perspassava meu pescoço de tal forma que nao era possível falar. Nao esboçava muita reação e parecia absorto na situação tão delicada em que me incluia.

Dias passaram-se, quando senti de súbito um terrível mal-estar. O último som que me lembro ouvir foi dos equipamentos numa orquestra de barulhos desordenada. Quis manter meus olhos abertos, bem abertos, numa tentativa de manter um elo com o mundo dos vivos, mas onde as pálpebras me eram fiéis, os olhos me trairam e o mundo escureceu. Desejei poder gritar, mas os ecos dos sons inventados ressoavam apenas no imenso vazio de meu corpo. Não havia luz. Ao meu silêncio, as batidas de meu coração eram a única música que se ouvia e que atestava minha existência, um sambão, daqueles bravos, violentos. Até o momento que erraram o tamborim, uma vez, mas continuou. Errou-se outras duas, três vezes. O mestre de bateria se zangou, e de repente fez-se o silêncio. Estava morto. Não morri no instante que morri: a consciência do meu eu começou a se esvair em meio a memórias e lembranças de toda uma vida. Toda uma vida nos meus últimos instantes, até que fiz 'plim' e sumi.

11 de agosto de 2009

Paulista e tabagista

por Justino Jesus da Paz

Eu fico pensando em fazer meu próprio blog e deixar esse espaço pro colega, mas toda vez que me passa esse pensamento eu acredito estar metendo a faca nas costas dele. Ninguém saberia que eu existo (não que muita gente saiba) se não fosse o 'João escreve...'. Aí vendo os textos do autor principal e a frequência que ele posta, me dá dó de querer fazer um espaço pra desbancar o coitado e o blog ficar às moscas. Pelo sim pelo não, vai aqui mesmo.

Fica aqui registrada a minha profunda insatisfação com essa merda de lei que baixaram em São Paulo: agora é proibido fumar em lugares fechados. Mesmo os lugares mais ou menos fechados não dá pra fumar. Pros não-fumantes com certeza está sendo uma maravilha e eu até apoio em certo ponto: tem certos lugares onde você entra Victoria's Secret ou Tommy Hilfiger e sai Marlboro, Carlton ou aquelas porcarias de cravo ou mentoladas.

Definitivamente não é agradável ficar respirando a fumaça que passou pelo pulmão alheio (veja bem, na hora do rush o transporte coletivo não é tão diferente), mas puta que o pariu: eu tenho que descer dois lances de escada pra ir fumar uma porra de um cigarro. Fumo na rua, na chuva, na fazenda e tenho que voltar pra redação, subindo os mesmos dois lances de escada que acabei de descer. Fico totalmente sem ar e o nervoso me faz querer fumar outro cigarro. Se queriam que os fumantes se exercitassem, estão conseguindo: acredito que minhas pernas até engrossaram de tanto sobe/desce.

Comecei a fumar não pelo glamour dos filmes ou dos comerciais de cowboy, mas porque a vida me preparou para o cigarro. Sempre fui estressado com as merdas todas que aconteciam comigo (já compartilhei umas com vocês) e a única maneira de me controlar foi pelo cigarro, já que o maracujá e a camomila não faziam mais efeito (aliás, passei a odiar os dois) e os tarjas pretas do mercado não costumam sair barato.

Fumo muito, algo entre dois e três maços por dia. Só assim pra aguentar toda a pressão dessa vida paulistana. E São Paulo além de me deixar assim, puto com tudo, agora quer que eu não me tranquilize, ou tenha que fazer um fitness básico para tal. Pra sorte do estado e dos colegas, não vai demorar muito pra lei fazer efeito e diminuir o número de fumantes na cidade. Com a frequência que eu tenho fumado, não demoro a bater as botas.

28 de junho de 2009

A saga do feliz ganhador da loteria

Não consigo dormir direito há uma semana. Os problemas de insônia começaram com o fatídico dia em que faturei sozinho um prêmio de 28 milhões de reais sozinho na loteria. Sinceramente não sei o que fazer com tal prêmio e as possibilidades turvam minha mente.

Senti-me intimidado com tantos zeros na conta bancária, e afim de não afetar relações entre amigos e familiares, não comuniquei a nenhum deles sobre a minha sorte. Tampouco a namorada, que tem me percebido demasiadamente apático e demonstrado sua preocupação comigo e conosco.

Não fui trabalhar essa semana. Na segunda não fui porque acreditava que não precisava; na terça não fui alegando mal-estar na família; na quarta tive uma crise paranóica e, com medo de que alguém desconfiasse de algo, não sai de casa.

Foi na quinta-feira que, bem discretamente vestido e sem aparentar grandes alegrias, fui até a lotérica onde fiz a aposta para reclamar meu prêmio. Uma grande faixa de "Aqui saiu o prêmio de 28 milhões de reais" estava logo na entrada. Criou-se um grande burburinho no bairro onde moro com relação a identidade do feliz ganhador da loteria. Eis-me lá. Falei baixo ao caixa:

'Sou o ganhador da loteria, gostaria de saber como posso retirar meu prêmio'

Ao passo que houve um grande rebuliço, com direito a sirene, buzinas e estouro de champanhe barato. De repente todos ali sabiam a minha identidade, e curiosos se aproximavam para saber o que acontecera. Fui congratulado, apertei várias mãos e as pessoas me enxergavam como uma imensa estátua de ouro ali, parada, perplexa. Após uma certa comemoração, a atendente me entregou um papel com as instruções de como retirar meu prêmio junto ao banco do governo (deveria ser lá, dado o montante a ser recebido).

Retornei para casa seguido por centenas de olhos famintos por qualquer quantia que pudesse aliviar as suas dores. Tornei-me uma espécie de santo pagão. Não consigo dormir direito há uma semana.