8 de agosto de 2007

Uísque e cheiro de cravo

Perdeu o compasso da música por um instante, mas retomou o ritmo tão rápido que mal se percebeu. Já estava acostumado com uma coisa qualquer atrapalhando seu pensamento bem no meio da música. Era a garçonete que passava com uma barra de saia curta demais, uma risada um pouco mais alta do lado de fora do bar, as buzinas irritadas da Avenida Paulista. Mas os ensaios contínuos nos intervalos entre a chegada do trabalho e o jantar faziam dele e seu baixo uma única entidade que resoava em todo bar.

A escolha do instrumento não fora casual. Além, é claro, do charme que o instrumento em si possui, a postura com que o empunhava, o baixo para ele é sobretudo o tom quase subliminar da música. As pessoas no bar ouvem o conjunto a tocar e sentem bem no fundo do ouvido aquela levada de tom que até parece um eco, o último ruído da música. Esse era o músico: não gostava de se sentir percebido diretamente, e sim pela dica do seu instrumento. Era uma maneira de se exibir subentendido, mesmo sem cantar ou fazer qualquer pose que o estilo cobrasse.

Mas naquele dia ele errava mais do que o usual. Os companheiros davam puxadas de lado para beber um copo qualquer da bebida de sua preferência e o questionavam "que que tá acontecendo companheiro?". Era uma moça que ouvia atentamente o conjunto numa mesa próxima ao canto esquerdo de frente pro palco. Estavam ela e mais três amigas que se entretinham com uma conversa qualquer. Só ela olhava para o palco improvisado próximo a uma das paredes do bar.

Errar para ele era inquestionável, mas um breve desvio de olhar fazia ele tocar uma nota errada, perder o tom ou soltar a corda antes da hora. Não queria errar justamente porque queria que seu som chegasse até ela e ela o percebesse de sua maneira única. Mas quanto mais pensava nisso, mais errava e mais bebericava do seu copo de uísque com três pedras de gelo já meio derretidas.

Ao final da apresentação, soltou o colarinho da camisa como quem se desprende de um nó de corda na forca e respirou. Ela aplaudia e puxou logo em seguida, de maneira enigmática, um cravo branco de algum lugar que seus olhos não alcançavam. Jogou-o ao palco na direção do baixista já meio zonzo depois de tanta bebida. O homem estendeu o braço em direção a pegá-lo, mas como uma miragem a flor sumiu do palco. Virou-se para a mesa onde estivera a mocinha e lá já não estava mais, talvez nunca estivesse. Vexado, tomou um táxi e foi para casa.