9 de outubro de 2007

Retrato III

Na calada da noite, os homens rastejavam sobre o mato alto, trajando uniformes camuflados manchados de terra, munidos de armas pesadas. De repente, um pedido de silêncio mais a frente. A caçada tornara-se mais fácil. As ordens eram de cercar o acampamento e dominar todos. Rápidos como os disparos que se seguiram, os homens renderam todos no acampamento. Alguns foram mortos ali mesmo. Um deles gritou. Foi levado a uma escola nas redondezas.

...

Jogaram-no numa sala e o mantiveram preso. Alguns soldados ficaram impressionados quando foi feita a confirmação da identidade do homem. Sentiram-se orgulhosos e comentaram com alguns passantes que faziam seu caminho para o trabalho no campo. Todos o observavam do lado de fora da escola por uma janela, a uma distância segura de sua periculosidade.

Mas do lado de dentro daquela sala de aula, o capturado não fazia nada a não ser mostrar resignação de bicho domado. Sabia bem seu destino e enchergava, claro como a água, que toda a sua luta até ali tinha valido a pena. Fatalmente seria pego, uma hora ou outra. Uma criança, que tinha sido erguida pela mãe para que pudesse ver o homem dentro da sala, olhou-o, barbudo e sujo de muito tempo. Ele levantou seu olhar, que foi de encontro ao olhos do garoto que o viam impressionados. Ele apontou para uma parede com um dos dedos, mostrando um alfabeto preso num varal improvisado na parede.

O homem que comandava a situação toda pediu aos trabalhadores para dispersarem o local. Comentou algo com os homens todos na porta "o presidente deu ordens, podem escolher entre vocês quem fará o serviço". Houve uma discussão impregnada de orgulho e barulho por parte de alguns deles. Depois de um tempo, entraram na sala em silêncio. O homem se levantou como quem iria receber uma sentença já sabida e dirigiu a palavra aos homens armados "Eu sei que vocês estão aqui para me matar. Atirem, covardes, vocês vão matar apenas um homem.". Sem mais palavras, os homens apontaram as armas e acertaram-lhe tiros nas pernas e, logo em seguida, no peito.

Deram uma risada leve, como se tivessem livrado o mundo de um grande mau. De espólio ficaram seus pertences que foram repartidos entre seus executores, com os mais valiosos para o comandante da operação triunfante. Com medo da lenda que cercava aquele homem martirizado, cortaram-lhe as mãos e levaram seu corpo algum tempo depois para exibir a imprensa, killed in action. E fotógrafos famintos fusilavam seu corpo com flashes de luz ao lado de homens fardados cheios de orgulho, como pescadores que pegaram o mais lendário dos peixes. Mas mal sabiam eles que aquele era apenas um peixe, o mar ao longe batia e rebatia com o barulho de ondas indiferentes como a verdade.

Um comentário:

Daniela Yoko Taminato disse...

violência
impiedade

tudo isso é inerente à condição e natureza humana???

continuo esperando por mais retratos que vão despertar mais reflexões...